O ambiente digital, nos últimos anos, transformou profundamente a divulgação e o consumo de informações. Ele agora permite que elas alcancem um grande público em segundos, o que exige maior responsabilidade de usuários e instituições para garantir a qualidade, veracidade e segurança das informações online. Essa mudança também tornou o meio digital essencial para campanhas políticas e mobilização de eleitores, mas o volume de informações favorece a propagação de discursos de ódio, fake news e manipulações por pessoas mal-intencionadas.
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Do mesmo modo, com o avanço da tecnologia, surgiram as chamadas deepfakes, que consistem, basicamente, na criação de conteúdos irreais (áudios e imagens) produzidos com o auxílio da Inteligência Artificial. As deepfakes ocorrem quando a IA funde, combina, substitui ou sobrepõe áudios e imagens, de modo a criar situações em que pessoas possam dizer ou fazer coisas que, na verdade, nunca disseram ou fizeram, pois se trata de um arquivo falso e manipulado. Existem inúmeras possibilidades que tornam a imagem condizente com a realidade, de modo que quem consome aquele conteúdo não sabe diferenciar o real do fictício.
Ingrid do Nascimento e Cristina Godoy destacam em artigo publicado no site Migalhas que as deepfakes têm impactos preocupantes nas eleições, podendo alterar completamente seu rumo ao atribuir falas inverídicas a candidatos, como discursos racistas, misóginos ou homofóbicos, o que pode resultar na perda de eleitores. Para combater essa prática maliciosa, o Superior Tribunal Eleitoral aprovou uma Resolução para regulamentar o uso de inteligência artificial durante as eleições municipais de 2024.
A instrução nº 0600751-65, aprovada em plenário, altera a Resolução nº 23.610 de 18 de dezembro de 2019, tratando de propaganda eleitoral e trazendo medidas sobre o uso de inteligência artificial, deepfakes e chatbots, com o objetivo de coibir a desinformação e manter a integridade das eleições. O Ministro Alexandre de Moraes destacou a importância dessas regulamentações para garantir a liberdade de escolha do eleitor, protegendo-o contra o abuso da inteligência artificial. A seguir, analisaremos alguns pontos importantes dessa instrução para entender as novas regras aplicáveis durante as eleições.
A referida instrução inseriu o art. 9º-B, que não proíbe o uso da inteligência artificial, mas somente impõe ao responsável pela propaganda eleitoral o dever de informar, de modo explícito, destacado e acessível, que o conteúdo foi manipulado ou fabricado e qual tecnologia foi utilizada. O modo pelo qual é feito a propaganda dirá como essa informação deverá constar, podendo ser por áudio, rótulo (marca d’água), audiodescrição, quando se tratar de peças de comunicação de áudio ou vídeo, ou em cada página de um material impresso em que se foi usado algum recurso de IA. O descumprimento dessas regras impõe a imediata remoção do conteúdo ou indisponibilidade do serviço de comunicação, por iniciativa do provedor de aplicação ou determinação judicial, nos termos do § 4º do art. 9-B.
Em contrapartida, o art. 9º-C proíbe o uso de conteúdo manipulado para divulgar informações falsas ou descontextualizadas que possam prejudicar a integridade do processo eleitoral. O § 1º, em específico, veta o uso de deepfakes para prejudicar ou favorecer candidaturas, alterando digitalmente a imagem ou voz de pessoas. O descumprimento dessa norma pode resultar na cassação do registro ou do mandato, além de investigação por crime previsto no art. 323 do Código Eleitoral, caracterizando abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Assim, com as regulamentações do TSE, fica evidente a posição firme do órgão, que proibiu totalmente o uso de deepfakes, mas permitiu a utilização de inteligência artificial, desde que ela não seja utilizada para difundir fatos inverídicos ou descontextualizados, com potencial para causar danos ao equilíbrio ou à integridade do processo eleitoral, bem como tornou obrigatória a comunicação transparente ao público sempre que usados os recursos de inteligência artificial.
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