top of page
Foto do escritorEquipe Pierozan Advogados

A IMAGEM DE ATLETAS NOS JOGOS ELETRÔNICOS E A NECESSIDADE DE AUTORIZAÇÃO

Não há dúvidas que o uso da imagem de atletas em jogos eletrônicos gera mais realismo e autenticidade, promovendo uma melhor experiência e atraindo milhões de fãs ao redor do mundo. Contudo, essa prática pode envolver questões complexas ligadas aos direitos de personalidade. E essa problemática já foi parar nos tribunais do Brasil, como veremos adiante.


Aspectos legais em discussão: Direito de Imagem vs. Direito de Arena


Para entender melhor essa questão, é essencial diferenciar o direito de imagem e o direito de arena.


O direito de arena, regulado pela Lei nº 9.615 de 1998 — a conhecida "Lei Pelé" — refere-se aos direitos de transmissão e exploração de eventos esportivos. Esse direito pertence às entidades desportivas, e não aos atletas individualmente, abrangendo a captação, transmissão e reprodução das imagens dos eventos esportivos.


Por outro lado, o direito de imagem é um direito fundamental, protegido tanto pela Constituição Federal quanto pelo Código Civil. Ele assegura que a imagem de uma pessoa não possa ser utilizada sem sua autorização. Portanto, enquanto o direito de arena se relaciona com a exploração dos eventos em si, o direito de imagem é inerente à pessoa e requer consentimento expresso para qualquer uso com fins econômicos. 


Assim, no caso dos atletas, o art. 87-A da Lei Pelé reforça essa proteção, dispondo que a imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual que não se confunde com o contrato de trabalho desportivo. 


Essa legislação permite a busca por reparações financeiras quando a imagem é explorada indevidamente, pois o uso não autorizado da imagem de um atleta configura uma violação dos direitos personalíssimos. Assim, isso implica a obrigação de indenização, mesmo sem a necessidade de comprovar danos efetivos, conforme estipulado pela Súmula 403 do STJ.


Análise de Casos Envolvendo Violação de Direito Moral de Atletas


Um processo ajuizado na comarca paulista abordou a exploração não autorizada da imagem de um atleta em jogos eletrônicos, especificamente nas edições de 2010 de um famoso título de futebol. O atleta alegou que sua imagem e características físicas foram utilizadas para comercializar esses jogos sem a devida autorização.


Ele fundamentou seu pedido com base em dispositivos da Constituição Federal e do Código Civil, argumentando que o direito à sua imagem é personalíssimo e nunca foi cedido à empresa ré. Em sua defesa, a empresa alegou ter contratos de licença com uma organização que representa sindicatos de jogadores em todo o mundo, sustentando que essa cadeia de cessão de direitos permitia a exploração de ativos intangíveis, como nome, imagem e características físicas dos jogadores.


A decisão judicial foi favorável ao autor, reconhecendo que a empresa não conseguiu comprovar a obtenção de autorização direta para o uso da imagem do atleta. A sentença ressaltou que, embora existissem contratos com a organização mencionada, não havia evidência de que o atleta tivesse cedido especificamente seu direito de exploração de imagem a qualquer entidade. Assim, o juiz identificou a violação do direito de imagem do autor, aplicando a Súmula 403 do STJ, que estabelece que a indenização por uso não autorizado de imagem com fins econômicos não depende da comprovação de prejuízo, condenando a empresa ao pagamento de danos morais.


Em grau de recurso, a 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo confirmou a utilização indevida da imagem do autor e a consequente indenização por danos morais. O tribunal enfatizou que, mesmo tratando-se de uma pessoa pública, a exploração econômica da imagem sem autorização prévia configura uma violação dos direitos personalíssimos, legitimando a indenização por danos morais. Um trecho do acórdão ilustra essa posição:


“[...] In casu, a utilização gratuita da imagem não gerou a alegada expectativa de concordância por parte do autor nos jogos fabricados e comercializados pelas rés.
Por esse mesmo motivo fica afastada a tese das rés de que teria havido autorização tácita do autor para a utilização da sua imagem. Assim, por não ter obtido, ou mesmo por não terem as rés demonstrado eventual cessão de direitos de imagem do autor, houve ofensa a direito constitucionalmente tutelado
Nesse contexto, demonstrada a utilização da imagem do autor nos jogos FIFA SOCCER e FIFA MANAGER, é desnecessária a comprovação de dano à honra ou à boa fama do apelado, pois o dever de indenizar decorre tão-somente da utilização não autorizada da imagem do demandante.
A propósito, a Súmula 403 do STJ, dispõe que: “Independe de prova ou prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais”.
Ademais, a imagem corresponde a direito personalíssimo, revestido de garantia constitucional, não se admitindo sua reprodução sem prévia autorização, ainda que se trate de pessoa pública, já que a publicidade de tal imagem se deve ao trabalho desempenhado pelo autor, para o qual é devidamente remunerado.
E nos termos do entendimento do STJ e da súmula acima mencionada, a utilização indevida da imagem do demandante configura, por si só, o direito ao recebimento de indenização por danos morais. [...]”

No entanto, é fundamental prestar atenção ao prazo prescricional. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), seguindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ), consolidou o entendimento de que o prazo de prescrição se inicia na data do evento danoso. Extrai-se trecho da decisão:


“[...] Conforme determinação expressa do C. STJ, deve-se considerar como o marco inicial da prescrição o evento danoso - publicação não autorizada da imagem do jogador nos jogos, neste caso, o lançamento das edições dos jogos objeto da lide, o FIFA SOCCER edição de 2010 e FIFA MANAGER edição 2010.
Ainda, à luz do disposto, o prazo inicial da contagem só se renovaria, ou protrairia no tempo, se tivesse restado evidenciado que as rés, e nas palavras exatas do STJ, somente elas, continuaram a comercializar os jogos diretamente ou por distribuição dos jogos, o que de fato não restou comprovado, ônus que incumbia ao autor e do qual não se desincumbiu.
A comercialização por terceiros, conforme determinado, não temo condão interromper ou suspender o prazo prescricional.
Desse modo, é de se considerar como termo a quo para a contagem do prazo a data de lançamento das edições dos jogos objeto da lide, qual seja,2010.
E, em assim sendo, a pretensão encontra-se prescrita, isso porque o evento danoso ocorreu em 2010 e a demanda foi ajuizada em 2021 [...]”

Assim, no caso em análise, embora tenha sido reconhecida a violação dos direitos de imagem do autor, que justificaria a indenização por danos morais, considerou-se a data de lançamento das edições dos jogos, em 2010, como o marco inicial para a contagem do prazo prescricional, resultando no reconhecimento da prescrição.


Conclusão


A decisão contra a EA, embora tenha reconhecido a prescrição, ressalta a necessidade de cautela por parte das empresas que utilizam a imagem de jogadores em produtos comerciais. Além disso, como foi demonstrado, o direito de arena, relevante para transmissões de eventos esportivos, não abrange o uso de imagens em jogos eletrônicos.


Essa distinção se deve à ampla proteção do direito de imagem, que vai além da mera transmissão de um evento. Nos jogos, a imagem dos jogadores é reproduzida em ambientes virtuais que replicam suas características físicas, estilos de jogo e outras particularidades, sem que isso esteja diretamente ligado à transmissão de uma partida.

Portanto, é crucial garantir contratos adequados de cessão de direitos de imagem para o uso em mídias interativas. Ao negligenciar essa exigência, as empresas não apenas se expõem a processos judiciais, mas também arriscam danos à sua reputação e à integridade dos jogadores representados.


O caso analisado ilustra a importância da questão e a potencial violação de direitos personalíssimos, que pode resultar em sanções cíveis e condenações por danos morais. Assim, é essencial que as empresas da indústria de jogos eletrônicos adotem políticas rigorosas de conformidade com os direitos de personalidade, assegurando que a exploração da imagem de qualquer pessoa, incluindo atletas, seja respaldada por autorizações expressas, a fim de evitar litígios e promover um ambiente mais seguro e ético para a criação de conteúdo digital.


9 visualizações

Posts recentes

Ver tudo

Comments


bottom of page